Disclamer:
Este artigo não é um ataque ao Sipalkido como um todo, sim um resumo simplificado baseados em fatos afim de minimizar conflitos acerca da origem da modalidade. Algumas informações podem incomodar praticantes da america latina, principalmente os praticantes argentinos e brasileiros leais ao legado do finado Grão-Mestre Yoo Soo Nam.
O começo de uma treta.
O mestre de Sibpalki, Bok Kyu Choi anunciou seu novo livro sobre a modalidade no Facebook entitulado “Sibpalki Traditional Korean Martial Arts”, todo em inglês e disponivel para comprar no site da Amazon. Em meio aos comentários, alguns praticantes do Sipalki (prestem bem a atenção na forma como está escrita) Ionbiryu se manifestaram de forma questionadora alegando que só havia um Sipalki, atribuindo ao grão-Mestre Yoo Soo Nam, falecido em 2018 na Argentina.
Tal comentário incomodou o mestre Choi a ponto de se manifestar em uma nova postagem do qual transcrevo logo abaixo:
“Existe uma discussão sobre o termo Sibpalki na minha postagem referente a publicação do meu livro (…). Vem aqui o meu esclarecimento sobre o termo Sibpalki e meu interesse pessoal no Sipalki argentino. Estejam a vontade para compartilhar suas opiniões sobre o tema.
Extistem quatro linhagens para uso do temo Sibpalki. O Sibpalki criado entre o século XVIII na Coreia Joseon (Dinastia) para descrever um sistema de arte marcial. No periodo moderno, onde o Grão Mestre Kim Gwank Suk resgatou o Sibpalki com sucesso. O primeiro (Sibpalki) pode ser chamado de Sibpalki histórico. O seguinte é chamado de Sibpalki moderno. Esses dois sistemas estão fortemente ligados um ao outro. Também há na Coreia o Sibpalki Chinês, quando o Kung fu foi introduzido na Coreia, alguns coreanos começaram a chamar o Kung fu de Sibpalki, e também temos o estilo de Sibpalki de Yoo Soo Nam, chamado “Sipalki”. De acordo com mestres que treinaram juntos com Yoo na década de 1960, Yoo criou seu estilo próprio e o chamou de Sipalki.
O que me interessa são as narrativas quando o Grão Mestre Yoo contou aos argentinos, na década de 1970, a Coreia não era muito conhecida pelos sulamericanos. Ele deve ter divulgado alguma história para promover sua arte marcial, como era bastante comum naquela época na comunidade de artes marciais”.
As artes marciais coreanas da Dinastia Joseon e a Ocupação japonesa.
A Coreia foi um reino que se chamava “Joseon” (1392 – 1910) com a mais longa duração da historia, durante esse periodo, Joseon era fortemente regida por influencia do Confucionismo e importava e adaptava a cultura chinesa. Foi neste periodo e que a cultura coreana classica começou a ascender junto ao comercio, ciencia, literatura e tecnologia. Foi durante as invasões japonesas (Guerra Imjim) entre 1592 a 1598 onde Joseon se mostrou militarmente fraca devido as muitas baixas de soldados coreanas totalizando 300.000 mortes. Devido as doutrinações confucionistas, os soldados não combatiam com espadas e lanças tendo como preferencia o uso do arco e flecha; em meio a guerra Imjin, os soldados coreanos adotaram uma metodologia de treinamento baseada em um manual militar chinês da Dinastia Ming chamado Jixiao Xingshu do general chinês Qi Jinguang. Este manual atraiu o interesse dos coreanos, pois, Joseon era palco frequente de invasões de piratas japoneses e o General Qi havia os derrotado com sucesso ao longo da costa sudeste da China poucas décadas antes da Guerra Imjin.
Sob ordens do Rei Seong Jo, autoridades coreanas criaram uma versão própria com base no manual chinês e posteriormente adicionado técnicas de artes marciais japonesas, e assim nasceu o primeiro manual de artes marciais coreana, o Muyejebo em 1610, agora, sob o reinado de Gwang Haegun já que o rei antecessor havia falecido.
O Muyejebo contém capítulos onde aborda o uso das seguintes armas:
Jangchang (lança longa)
Ssangsudo (espada longa de duas mãos)
Gonbang (bastão longo)
Deungpae (Escudo e lança de arremesso)
Deungpae (Escudo e espada na cintura)
Nangseon (lança espinhosa)
- Dangpa (tridente).
As informações sobre o uso do escudo e da lança de arremesso em combinação um com o outro fazem parte do mesmo capítulo que aborda o uso combinado do escudo e da espada na cintura.
Durante o reinado do rei Yeongjo (1724–1776), o Muyejebo foi revisado e complementado com 12 métodos de luta adicionais pelo príncipe Sado, publicado em 1759. O príncipe Sado era o herdeiro aparente do rei Yeongjo, mas sofria de uma doença mental que desencadearam surtos violentos. Depois que o príncipe começou a matar e estuprar pessoas aleatoriamente no palácio, ele foi executado por asfixia em 1762, aos 27 anos. Com essas 12 técnicas de luta inclusas, assim surgiu o termo Sibpalki ou as “dezoito habilidades” que refletem forte influencia das artes marciais chinesas.
As seis primeiras habilidades já presentes no Muyejebo também podem ser encontradas no Muyesinbo:
Gonbong (bastão longo).
Deungpae (escudo).
Nangseon (lança espinho).
Jangchang (lança longa).
Dangpa (lança de três pontas).
Ssangsudo (espada de duas mãos).
As doze habilidades restantes são originais do Muyesinbo:
- Jukjangchang (lança longa de bambu)
- Gichang (lança com bandeira)
- Yedo (espada curta): uma espada de um gume com cerca de um metro de comprimento. Era normalmente usado com uma mão e era preferido por soldados de infantaria e marinheiros.
- Wae geom (espada japonesa).
- Gyojeon (técnicas de espada)
- Woldo (lâmina da lua): uma arma de haste com uma lâmina curva paralela ao guandao chinês.
- Hyeopdo (lança-lâmina): uma arma de haste paralela à naginata ou nagamaki japonesa.
- Ssang geom (espadas gêmeas): lutando com duas espadas idênticas; espadas gêmeas foram feitas para serem carregadas em uma única bainha.
- Jedok geom (almirante espada): técnicas introduzidas pelo almirante chinês Li Rusong, que lutou no lado coreano na Guerra Imjin. Li usava espadas de lâmina reta (jikdo) com um único gume para cortar e uma espada de dois gumes (geom) para esfaquear. O manual dá 14 posturas básicas para esta disciplina.
- Bonguk geom (espada nacional): um método de esgrima enfatizando a origem coreana tradicional (em oposição à adoção mais recente das técnicas da "espada do almirante").
- Gwonbeop (habilidades de luta desarmada): baseado no manual de Ji Xiao Shin Shude 1567 ou "Manual de Novas Táticas Militares" do General Qi Jiguang (1528-1588). Dos 32 métodos originais citados pelo General Qi, cerca de 19 métodos são identificados no Muyesinbo, além de outros 14 métodos originais, totalizando 33.
- Pyeongon (mangual): em paralelo com a chinesa de duas seções.
Tanto o Muyejebo quanto o Muyesinbo serviram de base para o futuro manual Muyedobotongji ("Manual Ilustrado Abrangente de Artes Marciais") em 1795, que acrescentou mais 4 disciplinas descritas, incluindo métodos à cavalo (a saber: lança com bandeira, espadas duplas, faca lunar e um mangual) além de técnicas de equitação, um jogo de pólo coreano com pele de ovelha elevando o número total de técnicas para 24.
Em 1910, o Imperio coreano havia colapsado e tornado-se dependente do Imperio do Japão anos após a vitória da Guerra Sino-Japonesa sendo anexada ao país. Este periodo histórico foi completamente traumatizante para os coreanos, pois, ao mesmo tempo que o governo japones investia em escolas e faculdades, ao mesmo tempo os coreanos eram obrigados a adotarem nomes japoneses e proibidos de falar o próprio idioma, garotas coreanas eram sequestradas para a prostituição – fato que o governo japonês nega com todas as forças. Artes marciais coreanas foram proibidas ou sumariamente extintas, sendo substituidas por artes marciais japonesas praticadas por cidadãos coreanos de classe alta, militares do exército imperial japonês e universitarios estudando no Japão.
Muitas cópias dos manuais Muyejebo, Muyeshinbo e Muyedobotongji foram apreendidas ou destruidas como parte do processo de “japonificação” dos coreanos, fazendo que algumas cópias ou praticas de artes marciais fossem praticadas ou mantidas as escondidas das autoridades opressoras.
Hoje em dia é possível obter uma edição fisica e virtual do Muyedobotongj traduzido para o inglês.
O fim da ocupação e as artes marciais coreanas modernas.
Com o fim da segunda guerra mundial e a retirada do Japão do solo coreano, uma forte campanha de resgate a identidade coreana toma conta da metade sul da peninsula, agora dividida em duas nações. Sob a liderança do primeiro presidente sul-coreano Sing Man Hee, tudo que for remetido ao Japão deve ser excluido da sociedade e a mesma coisa acontece com as artes marciais de origem japonesa; o Karate-do, o Judo, o Kendo, agora passam a se chamar Gongsudo, Yudo e principalmente o Kumdo que não apenas revisiona todo o curriculo ténico, como também exclui todos os Katas japoneses substituindo por Hyongs de espada baseados no Muyedobotongji, o Kumdo é a única arte marcial membro da Federação Internacional de Kendo que só exerce as técnicas de espada coreana.
O Gongsudo por sua vez seguiu um novo caminho para futuramente vir a ser reconhecido como o Taekwondo e Tangsoodo. Outras modalidades coreanas proibidas pelos japoneses começaram a ressurgir após o fim da Guerra da Coreia, a exemplo do Taekkyon com o mestre Song Deok Gi (1893 – 1987) e o Sibpalki com o Grão-Mestre Kim Kwang Seok (1936 – 2019), além destes, outros praticantes de diferentes artes marciais de origem coreana começaram a surgir entre os anos 1960 aos tempos atuais, muitas delas com base nos estudos técnicos do Muyedobotongji e outros estilos marciais chineses e japoneses.
O Sibpalki como arte marcial.
Como arte marcial moderna, o termo usado para “Sibpalki” passou a identificar quatro atividades independentes e uma em especial.
1 – São praticantes coreanos que seguem o sistema chinês de artes marciais armadas e desarmadas também denominado “Sibpalki” seguindo a metodologia e praticas em seu curriculo.
2 – A outra segue como um "rótulo" para identificar genericamente as artes marciais chinesas assim como o Kung Fu é um termo generico usado no ocidente.
3 – São grupos de praticantes que usam o termo “Sibpalki” como modalidade marcial histórica como uma forma de reconstrução das artes marciais coreanas do século XVIII baseados no Muyeshinbo.
4 – Por sua vez, trata-se do estilo grafado “Sipalki” de relação não reconhecida na Coreia difundidas pelo Grão-Mestre Yoo Soo Nam.
5 – Por ultimo e não menos importante, é o Muye24ki liderado pelo mestre Choi Hyung Kuk que tem a missão de difundir – assim como no Sibpalki, as 24 técnicas descritas no Muyedobotongji, como identidade marcial da história coreana, incluindo as praticas de equitação.
GM Kim Kwang Seok e o Sibpalki na Coreia.
Kim Kwang Seok em pé e no meio Li Sui Tien (Pakua Chang) |
Kim Kwang Seok nasceu em 1939 durante a ocupação japonesa, criado em uma comunidade taoista onde desde pequeno recebeu treinamento em Sibpalki, medicina oriental e qigong durante o final dos anos 1950 até meados dos anos 1960 estudou Kungfu com o mestre Choi Sang Cheol, diretor da Chinese Martial Arts Association; e em 1969 abriu seu primeiro Dojang (academia). Em 1986, Mestre Kim trabalhou ao lado do folclorista U-Seong Sim para reviver as técnicas descritas no Muyedobotongji e em 2001 alunos de Kim fundam a Sibpalki Preservation Society e também a The Korea Sibpalki Association a primeira entidade tem como foco principal dedicar a encenar apresentações públicas e disseminar ao público coreano a consicencia sobre as artes marciais. Não está claro que o Sibpalki difudidos por Kim Kwang Seok corresponde fielmente as técnicas coreanas dos manuais históricos do século XVIII, porém a importância para o Sibpalki na Coreia é ser considerado um estilo “nativo”.
GM Yoo Soo Nam e o Sipalki estilo Ionbiryu.
GM Yoo Soo Nam |
Grão Mestre Yoo Soo Nam, nasceu na Mongólia em 8 de outubro de 1940, pois, seus pais haviam fugido devido a ocupação japonesa na Coreia. Aos três anos ele retorna com sua família para a Coreia do Sul e aos cinco anos inicia seus treinamentos em Sipalki sob orientação de seu pai devido herança familiar, o Grão Mestre Yoo Dong Hee (1908 – 1965). Em 1958, aos 18 anos Mestre Yoo começa a dar aulas para a Policia da provincia de Na-Ju, na Força Aérea coreana, na infantaria maritima e em outras escolas. Aos 26 anos seu pai veio a falecer e é reconhecido como Grão Mestre e herdeiro do estilo Ionbiryu (estilo secreto da andorinha).
Em 9 de maio de 1970 GM Yoo Soo Nam desembarca na Argentina disposto a promover seu trabalho e tão logo começa a ter seus primeiros alunos, o estilo Ionbiryu começou a se espalhar pelo país, na america latina, alguns países na Europa e também na Coreia do sul. Na Argentina, há uma fundação com o seu nome, a Fundação Soo Nam Yoo de arte, ciencia e cultura oriental com sede no norte do país realizando atos beneficientes para escolas e pessoas carentes.
Grão Mestre Yoo Soo Nam faleceu no dia 8 de fevereiro de 2018. Seu filho Dae Won Yoo é o atual sucessor do estilo Ionbiryu.
Questões polêmicas:
Embora o estilo Ionbiryu do GM Yoo Soo Nam seja fortemente reconhecida na america latina e alguns países da Europa, na Coreia do Sul o estilo não é reconhecido como Sibpalki, tanto que o Mestre Bok Kyu Choi tem certa curiosidade em entender mais sobre o estilo do falecido GM Yoo. Também causa certa estranheza o histórico marcial do falecido Grão-Mestre sobre um estilo “herdado” contado de forma tão romanceada, ainda mais sendo tão jovem para assumir um titulo de Grão-Mestre, particularmente falando, isso me faz levantar uma bandeira vermelha sobre a idoniedade do estilo.
O Sibpalki está mais para um estudo de manuais coreanos de técnicas de luta, do que uma arte marcial em si; a exemplo do também falecido Grão-Mestre Kim Kwang Seok que já tinha experiencia em Kung Fu, para ele foi basicamente como aprender técnicas inéditas com armas brancas e formas de Quan-fa (Kwon bup) através de um manual coreano que teve um manual chinês como referencia, portanto, não é por menos que o Sibpalki é chamado de “Kung Fu coreano”.
E voltando ao GM Yoo, há uma certa esfera de propriedade quanto a pratica do Sipalki, GM Yoo sempre deu entrevistas para revistas e jornais e talvez a mais chamativa delas, foi para a Revista argentina Yudo y Karate em 1988 onde declara que “só existe apenas um Sipalki” que tecnicamente se trata do estilo Ionbiryu supostamente herdado de seu pai, nesta materia relata que ex alunos deixam de treinar com ele para criarem suas próprias escolas de artes marciais, porém não utilizam o nome “Sipalki”; por isso GM Yoo reinvidica que só ele representa o legado do Sipalki.
Talvez isso explique o tom autoritário do aluno argentino ao reividicar a "titularidade" do estilo.
E vale lembrar que entre seus ex-alunos, está o infame Giordano Magliacano do Pakua Hermano do qual muito bebeu da fonte de Soo Nam Yoo para fabricar argumentos que validem seu finjutsu. Principalmente quanto ao uso de armas de corte que tentam esconder.
Conclusão:
Sibpalki é uma modalidade marcial coreana que recria antigas formas de luta coreana sob influencia do Kung Fu chinês, sem contar que é também uma generalização as artes marciais de origem chinesa. Um estilo usado para representação cultural e histórica da antiga Coreia do século XVIII.
Por outro lado temos o Grão-Mestre Yoo Soo Nam que levou o Sipalki herdado de seu pai para a Argentina tornando-se referencia em toda a América Latina e alguns países da Europa. Apesar de suas declarações a respeito do Sipalki sendo uma propriedade, um legado de sua família soar impertinente, principalmente quato à tornar-se um Grão-Mestre com pouca idade.
Não estou aqui para acusar ou fazer juizo a respeito de um Grão Mestre falecido,apesar de sua história de vida ser aparentemente exagerada, ainda mais se tratando de um estilo de luta originado de antigos manuais de artes marciais de repente virar uma herança de familia. Tanto Grão-Mestre Kim quanto o Grão Mestre Yoo merecem o devido respeito e é aqui que concluo este artigo com o objetivo de trazer a baila informações relevantes sobre o Sibpalki e as artes marciais coreanas.
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